Kiran Mazumdar-Shaw: a mulher que trocou a cerveja por bilhões em medicamentos
Kiran Mazumdar-Shaw, uma das principais figuras do setor farmacêutico global, iniciou sua jornada empresarial longe dos laboratórios modernos que hoje marcam sua carreira.
Seu primeiro empreendimento surgiu em um galpão de zinco em Bengaluru, no sul da Índia, quando ainda sonhava em se tornar mestre cervejeira, profissão de seu pai.
Impedida de entrar nesse mercado por ser mulher, transformou a frustração em oportunidade: passou a produzir enzimas para uso industrial. Hoje, aos 72 anos, é líder em medicamentos biológicos e biossimilares, com negócios que se estendem por todo o mundo.
Mazumdar-Shaw aplicou os conhecimentos em fermentação, adquiridos na Austrália, para fundar a Biocon em 1978, em parceria com um empresário irlandês.
A empresa começou pequena, mas logo chamou atenção: na década de 1980, a Unilever se tornou sócia. Em 1998, ela readquiriu a participação da multinacional por cerca de US$ 2 milhões.
Anos depois, vendeu o braço de enzimas para a Novozymes por US$ 115 milhões, marcando um dos primeiros grandes saltos de sua trajetória.
Da insulina à liderança global
Em 2000, a Biocon entrou oficialmente no mercado de medicamentos, iniciando com a produção de insulina — um dos biológicos mais usados no mundo. Os biológicos são remédios desenvolvidos a partir de organismos vivos e, por isso, complexos e caros de produzir.
Por estar sediada na Índia, a Biocon conseguia reduzir os custos de fabricação, oferecendo alternativas mais acessíveis que as grandes farmacêuticas ocidentais.
Atualmente, a Biocon é uma empresa de capital aberto que gera US$ 1,9 bilhão anuais. Sua divisão Biocon Biologics, responsável por quase 55% da receita, foca exclusivamente nos biossimilares — versões mais econômicas de medicamentos biológicos de marca, produzidos após a expiração da patente original.
Embora exigentes em termos de investimento (até US$ 100 milhões por produto), os biossimilares têm gerado economias significativas no sistema de saúde. Apenas nos Estados Unidos, estima-se uma redução de US$ 36 bilhões nos gastos desde 2015.
Expansão internacional e aposta nos Estados Unidos
Mazumdar-Shaw, que começou com foco no mercado indiano, hoje vê Canadá e Estados Unidos representarem 40% das vendas de seus medicamentos.
A busca por acessibilidade no tratamento de doenças graves, como câncer e distúrbios autoimunes, se tornou sua principal bandeira — ao mesmo tempo em que viabiliza um negócio altamente lucrativo.
Um dos exemplos mais emblemáticos dessa estratégia é o lançamento do Yesintek, versão biossimilar do Stelara, da Johnson & Johnson. O original, indicado para doenças como psoríase e doença de Crohn, custa mais de US$ 25 mil por dose nos EUA. O produto da Biocon sai por menos de US$ 3 mil, mantendo a mesma eficácia.
Desde 2017, a empresa lançou nove biossimilares, entre eles um substituto ao Humira, voltado ao tratamento de artrite reumatoide, e ao Herceptin, usado no combate ao câncer de mama. Sete desses medicamentos já foram aprovados para uso nos Estados Unidos.
Desafios e concorrência
A Biocon Biologics disputa espaço com gigantes como Amgen, Sandoz (da Suíça), e empresas asiáticas como Samsung Biologics e Celltrion. Ainda que sua penetração no mercado norte-americano enfrente obstáculos — como o forte lobby de intermediários do sistema de saúde —, a empresa já domina até 80% do mercado em países emergentes com alguns de seus produtos. Mesmo uma fatia de 10% no mercado de medicamentos blockbuster nos EUA pode render centenas de milhões de dólares.
Ao refletir sobre a própria trajetória, Mazumdar-Shaw diz que nunca planejou ser empresária. “Foi o caminho que surgiu quando outros se fecharam”, afirma. Hoje, com uma fortuna estimada em US$ 3,2 bilhões, ela é uma das mulheres mais ricas do mundo que construíram seu patrimônio com base no próprio esforço — e continua investindo em um futuro em que qualidade e acesso à saúde caminhem juntos.