Descoberta científica pode indicar origem da humanidade
Um consórcio global de cientistas acaba de dar um passo importante rumo à compreensão do que significa estar consciente. Em um estudo que levou sete anos para ser concluído, duas das mais influentes hipóteses sobre a consciência humana foram colocadas à prova em uma análise direta com dados de centenas de voluntários.
A iniciativa avaliou, lado a lado, a Teoria da Informação Integrada (IIT) e a Teoria do Espaço de Trabalho Neuronal Global (GNWT), dois modelos centrais no debate científico atual sobre a mente humana.
A pesquisa, publicada na revista Nature, representa uma das maiores investigações já realizadas sobre o tema, mobilizando dezenas de especialistas e centros de pesquisa ao redor do mundo.
Com início em 2019, o projeto teve como marco um formato inusitado para a ciência: uma colaboração adversarial, em que pesquisadores com posições teóricas opostas trabalharam juntos para testar de forma objetiva seus próprios pressupostos.
Ligação entre percepção e cognição desafia suposições antigas
De acordo com os autores, os dados obtidos revelam novas conexões funcionais entre regiões visuais e frontais do cérebro, sugerindo que o conteúdo consciente pode não estar centralizado, como antes se acreditava, no córtex pré-frontal.
“Essa colaboração amplia a visão sobre o problema mente-corpo, um dos maiores enigmas da ciência”, afirmou Christof Koch, Ph.D., pesquisador do Instituto Allen, um dos líderes do projeto.
O estudo propõe que a percepção visual e a retenção de informações sensoriais — especialmente na parte posterior do cérebro — são elementos mais relevantes na formação da consciência do que o processamento lógico e o planejamento, geralmente atribuídos à parte frontal.
Em outras palavras, a inteligência pode estar ligada ao “agir”, mas a consciência estaria mais relacionada ao “sentir”.
Cérebro traseiro em foco: mudança no paradigma tradicional
As análises mostraram que áreas visuais traseiras têm papel fundamental na codificação de detalhes complexos, como a orientação de um objeto. Já as áreas frontais parecem atuar mais como filtros de identificação de padrões gerais, como reconhecer uma figura como um rosto ou uma cadeira.
Isso sugere uma descentralização dos conteúdos conscientes e desafia a crença de que os aspectos mais ricos da experiência humana estejam localizados nas regiões frontais do cérebro.
Nenhuma teoria sai vencedora, mas o conhecimento avança
Embora o objetivo fosse comparar diretamente as duas teorias, os resultados não foram conclusivos a favor de nenhuma delas. A IIT pressupõe que a consciência surge da integração entre diversas regiões cerebrais.
Já a GNWT propõe que ela emerge da difusão de informações em um sistema de “espaço de trabalho” na parte frontal do cérebro. O estudo, no entanto, não encontrou evidências consistentes o suficiente para validar integralmente nenhuma das duas propostas.
Anil Seth, Ph.D., especialista em neurociência cognitiva da Universidade de Sussex, observou que a ausência de uma teoria “vencedora” não deve ser vista como um fracasso.
“Esses modelos têm origens distintas e objetivos explicativos diferentes. O mais importante é que aprendemos muito sobre como e onde as experiências visuais se manifestam no cérebro humano.”
Cooperação científica pode redesenhar o futuro da neurociência
Com 256 participantes analisados e o uso de três tecnologias complementares para monitorar a atividade cerebral — entre elas a ressonância magnética funcional e o eletroencefalograma —, o estudo marca uma virada metodológica no campo da neurociência experimental.
O projeto teve início em um workshop realizado no Instituto Allen em 2018 e representa um exemplo raro de ciência colaborativa em larga escala, com protocolos unificados e coordenação entre diversos laboratórios independentes.
Koch defende que colaborações adversariais como essa podem acelerar descobertas ao expor diferentes hipóteses ao mesmo conjunto de dados. Segundo ele, o modelo ainda é pouco explorado devido aos desafios organizacionais e à concorrência entre grupos de pesquisa.
Mas, na sua visão, iniciativas semelhantes em outras áreas da ciência biomédica podem promover ganhos expressivos.